domingo, 6 de julho de 2014

A Flor

  “Flores nascem até no cemitério”, dizia meu pai. Se eu conseguisse falar, essas palavras teriam sido perfeitas para o seu funeral, mas sinceramente eu não entendia aquele otimismo inesgotável. Parecia haver uma música no ritmo do relógio que despertava seu bom humor sem que ninguém mais conseguisse escutar.


   Quando me levava ao museu onde trabalhava, meu pai sempre dizia: “se a gente parar e olhar o passado, percebemos que o tempo é um escritor caprichoso, pois o que parece uma tragédia pode ser indispensável para um milagre.” Talvez, mas me pergunto se ele ainda pensaria o mesmo naquele momento.

    O baque da terra na tampa do caixão me acordou e olhei em volta. Minhas tias de longe, meus primos que eu não sabia o nome, um monte de gente que eu não via há anos. Por que a súbita saudade, eu questionava em silêncio. De repente percebi que meu olhar pousava sobre minha tia Clarice e desviei rapidamente. Meu pai e tia Clara, como a chamavam, eram brigados. Não sei bem como começou, mas terminou mal. Era sempre constrangedor quando nos encontrávamos. Não cheguei a conhecer os filhos dela, acho que tem dois... A cerimônia terminou e todos ficaram ali conversando, atualizando suas informações familiares e eu que me sentia sobrando mais do que nunca fui dar um passeio pela ala das gavetas.

    Perto do túmulo da minha avó estava uma moça. Sorri, cumprimentando-a. Ela retribuiu e voltou a olhar uma das gavetas. Percebendo que se tratava de parentes meus, perguntei:

    “- Seus parentes também?”

    “- Sim.” Disse ela. “- Pelo menos é o que me dizem.” Rimos sinceramente. Um assunto ligou o outro e quando vi estávamos conversando animadamente. Nem parecia mais um velório. Não sei por que não me senti culpado na hora, mas parecia que aquilo tinha acontecido. Tínhamos nos afastado um pouco das gavetas, quando de repente tia Clara apareceu e disse seca: “-Vamos, filha. Temos muita estrada ainda.” A moça me olhou e falou:

    “ - Ah, me esqueci disso. Põe essa flor no túmulo da vó para mim? Brigado seu... ?”

   “ – Rodrigo. Ponho sim. ” Forcei um sorriso. Notei o embaraço no olhar dela para tia Clara. Fez um aceno e foi embora. Eu fiquei ali olhando para a flor e pensei:

    “As flores nascem até no cemitério.”



   Essa é uma das minhas histórias do livro "Prosa na Varanda" lançado ano passado e estarei postando algumas delas aos domingos para comemorar a publicação da segunda edição. O "Prosa na Varanda 2" contará com crônicas e contos de vários autores, oito assinados por mim. O lançamento será no próximo dia 24, às 19:00 horas no Qorpo Santo. Espero todos vocês lá! Um abraço.

Felipe Essy

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