sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Caso do Arquivo Morto

    Buenas, pessoal! Mês que vem estarei lançando junto do Grêmio Literário Patrulhense o livro Prosa na Varanda 2, que além de crônicas como no ano passado também contara com contos, alguns deles escritos por mim como a história de uma carta entregue por engano que recusa-se a ir embora em "Correspondência"; Uma cidade assombrada pelo canto de "O Acordeonista" e o inusitado desfecho da disputa entre dois partidos de uma cidadezinha do interior que recusam-se a deixar a prefeitura em "Partida Repartida", além de vários outros. Como amostra do que está por vir, selecionei alguns das minhas crônicas do primeiro livro para vocês, começando por "Arquivo Morto". Boa leitura ;)


     Mal se ouvia seu bom dia quando chegava. Na repartição, ninguém se lembrava do seu nome, só para o que servia. O cara do arquivo. Trabalhava ali há uns cinco anos, fazia o que pediam, nunca deu problemas e, como o ar que se respira todo dia, mal se notava sua existência.

    Certo dia chegou a suas mãos uma nova pasta para ser arquivada. Frequentemente abria o que levava para o arquivo antes de enterrá-los – como gostava de dizer para si mesmo. Eram arquivos mortos, mortos por que iam para um lugar de onde jamais sairiam para informar nada. Foi então que leu um arquivo de óbito. Parou um instante. Um óbito. Palavra agourenta. Morte. Fim inevitável, invencível. Óbito. Leu para ver quem era o cidadão. Nome sem significado, solteiro, sem bens – morrera num quartinho alugado da pensão - sem familiares. Alguém que morreu de verdade. De verdade por que ninguém lembraria seu nome, não deixou nada para ninguém. Era como se nunca tivesse existido.

    Triste isso. O coveiro dos arquivos refletiu sobre a pasta e se viu na imagem do velho, estirado no chão de um quarto frio aspirado o pó do tapete sem ter um nome para chamar enquanto via o mundo sumir... Guardou o arquivo sem mais nada que pudesse fazer e voltou para o mundo lá fora. O mundo sem mofo, o mundo fluorescente, o mundo em branco para alguém que não fez nada, não sonhou nada. Sonhos teve, claro, mas desistiu deles assim como os desejou. Olhou para toda palidez daqueles sorrisos plásticos que se refletiam um nos outros e desejou morrer como todos os dias. Mas aí percebeu: Já estava morto. Não era ninguém, não dizia nada, era nada. Amargurado, irado, transbordando uma cólera incomensuravelmente contida entre as juntas dos dedos que se estalavam freneticamente ele voltou para o arquivo, fechou a porta e não voltou.

    O expediente acabou e todos foram embora, menos aquele que ninguém notou. Noutro dia um funcionário teve que guardar um documento e o cara do arquivo não estava lá, onde ele estava? Teve ele mesmo que ir lá e descobrir o homem enforcado na sala de arquivos. Ninguém sabia quem ele era nem como tinha chegado lá. Foi um escândalo. A notícia do suicida misterioso ganhou os jornais que o sepultou entre os mais notáveis acontecimentos efêmeros e o arquivista pela primeira vez existiu no mundo – vividamente morto.

Felipe Essy

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