segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Tempo e o Vento no Cinema

        A obra de Erico Verissimo é antes de mais nada uma história sobre como as pessoas tecem o tempo e são envolvidas por ele, logo formar um ciclo na estrutura do filme era extremamente importante para que a história fosse bem compreendida. Para tal, a matriarca Bibiana foi utilizada para narrar a parte do livro que abrange sua participação como também para fazer presente sua avó Ana Terra através da forte influencia de uma sobre a outra. Além disso, o famoso personagem capitão Rodrigo adiciona um toque especialmente romântico ao filme, como o fantasma do falecido amor de Bibiana, realçando ainda mais a lenda envolta do personagem. O filme tinha tudo para ser um verdadeiro marco no cinema nacional, no entanto nem todas ideias foram bem aproveitadas e mesmo assim O Tempo e o Vento de Jayme Monjardim continua sendo um filme imperdível para todos aqueles que gostam de cinema.


       A obra do Tempo e o Vento é formado por três três livros: O Continente, O Retrato e O Arquipélago, mas devido ao seu tamanho (o primeiro deles de 800 páginas), eles acabaram sendo dividido em sete volumes. Originalmente Erico Verissimo não pensava em dar continuidade a história de O Continente, sendo assim o livro foi escrito como uma história fechada e independente. O filme dirigido por Jayme Monjardim (responsável por A Casa das Sete Mulheres) se concentra apenas neste primeiro livro, assim como a aclamada adaptação de Paulo José feita para a Rede Globo em 1985 adotando alguns de seus elementos, no entanto com muito menos tempo, pois a minissérie soma um total de seis horas de duração, enquanto o novo filme não chega a metade. Se já não bastasse o problema de qualquer adaptação de livros, o Tempo e o Vento é uma obra especialmente complexa, pois soma várias histórias de gerações que se sucedem formando uma única trama. Sendo assim, não devemos assisti-lo como um filme comum, mas como uma das mais ousadas produções cinematográficas já feitas no país e como tal, cheio de prós e contras.


         O Tempo e o Vento de Monjardim encanta os olhos com a esmerada produção. Igualmente ao livro, o filme não se trata de um épico tradicional, limitando-se apenas à algumas cenas de marcha e batalha, mas as poucas sequências de conflito são de impressionar, fazendo-nos imaginar até onde o cinema brasileiro hoje em dia pode chegar. Da mesma forma, o filme tenta a todo momento ostentar uma grandeza através de paisagens pampeiras e a trilha marcante de Alexandre Guerra. Verdade é que as paisagens ajudam a transmitir a ideia de isolamento da pequena cidade de Santa Fé onde vivem os personagens, mas essa função parece ter se perdido e com ela uma das principais características da obra: A formação de um gaúcho que a terra fez bruto e teve a voz do vento como única companhia na solidão dos pampas, longe do litoral e esquecidos pelo imperador. Essa falta de silêncio e distanceamento dificultou o aprofundamento de uma das principais personagens da história, Ana Terra, dona da frase célebre:  Noite de vento, noite dos mortos.


       Nos campos remotos da estância de seu pai, Ana Terra tem o vento como único visitante até a chegada do mestiço Pedro Missioneiro que desperta sua feminilidade. Em vários sentidos temos um aprimoramento em relação a primeira adaptação: A meiga e tímida Ana Terra de Glória Pires torna-se a arisca e instintiva interpretada por sua filha, Cléo Pires, muito mais semelhante à original, e podemos ter a mesma constatação com vários outros integrantes do elenco, no entanto boa parte de todo esse potencial foi desperdiçado pela falta de aprofundamento em decorrência do excesso de personagens. Sim, o Tempo e o Vento realmente tem dezenas de personagens, mas a desnecessária mudança de atores a todo momento para retratar o mesmo personagem em idades diferentes (às vezes até quatro), comprometeu a naturalidade da progressão narrativa, assim como a presença dos personagens que sucedem Ana Terra até a geração de Bibiana, facilmente suprimíveis sem qualquer prejuízo no enredo, como foi feito na adaptação de 1985.


       Uma das coisas que mais causaram alvoroço com a divulgação de informações sobre as novas filmagens foi a escolha de Thiago Lacerda como capitão Rodrigo. Ao contrário do que possa parecer, o personagem tornou-se uma lenda da literatura brasileira muito mais pela imagem cativante que Erico propositalmente tecia nos livros do que pela real importância de seu papel no enredo. Com a interpretação igualmente marrenta e charmosa de Tarcísio Meira na antiga mini-série, o personagem atingiu um publico maior enraizando-se no folclore da memória coletiva. Sendo assim, não é de se espantar que todos tinham medo de um novo ator no papel, mesmo sendo o já consagrado Thiago Lacerda que havia interpretado Giuseppe Garibaldi em A Casa das Sete Mulheres. Felizmente, o ator mostrou-se tão perfeito para o papel quanto o interprete anterior, mas ao mesmo tempo que ele conseguiu aprimorar o "olhar de adaga", acabou por caricatura um pouco o personagem, não economizando nas risadas debochadas e trejeitos de boêmio, mas isso não impediu que atingisse uma profundidade muito próxima do Rodrigo de Erico Verissimo. O contrário curiosamente não aconteceu com Fernanda Montenegro. A personagem de Bibiana com a idade mais avançada caracterizava-se pela perspicácia ácida e convicção nata presentes em muitos dos papéis realizados pela atriz, logo se esperava algo muito semelhante ao original, no entanto a direção e roteiro preferiam a construção de uma Bibiana não apenas nostálgica, mas declaradamente romântica, o que enterneceu um pouco demais a personagem.


       Lendo esse texto, você pode ter a equivocada impressão de que eu não gostei do filme, por isso faço questão de dizer que O Tempo e o Vento é uma das obras mais difíceis de serem adaptadas para o cinema tendo em vista sua densidade e  Jayme Monjardim e Letícia Wierzchowski (autora de A Casa das Sete Mulheres) superaram muitas expectativas, criando uma estrutura narrativa que conseguiu conciliar muitos pontos problemáticos na adaptação. Na minha opinião, creio que o filme poderia ser mais longo, talvez resolvendo assim o problema do aprofundamento de personagens, mas o fato é que esse filme muito provavelmente abriu portas para novos tipos de produção cinematográfica no país, que pouco a pouco vai equilibrando o não-americanismo com produções populares e definitivamente é um filme para não deixar de assistir no cinema.

Felipe Essy

2 comentários:

  1. No quesito técnico o filme é bom mesmo, ótima fotografia, trilha sonora, direção de cena, cenário.... mas me senti em uma aula de história onde são contados um fato atrás do outro. Não achava que poderia dizer isso, mas o filme é positivista! Sim, fato, fato, fato, paisagem, fato, fato, fato, paisagem. Os personagens não tem a profundidade necessária já que são muitos e as histórias narradas por Bibiana passam como se fosse contadas a partir de um calendário. Foi bom? Uma boa produção brasileira, uma ótima adaptação de um clássico da literatura porém com personagens superficiais. Vale lembrar que eu não li o livro.

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    1. O livro em si é positivista por uma questão de organização, tendo em vista que os capítulos não estão alternados fora da ordem cronológica, mas no caso do filme eu achei que certas partes entre Ana Terra e Um certo Capitão Rodrigo poderia facilmente terem sido omitidas. Acabou-se colocando informação demais no filme ao mesmo tempo que restringe o aprofundamento dos personagens, mas a qualidade da produção e desempenho do elenco acabam compensando.

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