quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Tradução: Pecado ou Necessidade?

      Buenas, pessoal! O que era para ser apenas um post sobre alguns temas polêmicos relacionados a leitura rendeu mais que o esperado e tive que dedicar essa postagem exclusivamente à tradução, afinal uma obra traduzida continua a ser a mesma que a original? Existem livros intraduzíveis? Traduzir é incentivar o monolinguismo? Esses e outros espinhos a gente corta ou pelo menos apara por aqui.


         Desde o início da minha formação como estudante de língua inglesa, eu sempre tentei ler as obras que me interessavam no idioma original, pois é uma das oportunidades de exercitar meu inglês e faz eu me sentir mais perto do escritor, mas não confunda isso como um desprezo pela tradução ou algo do tipo, pois eu admiro muito esse trabalho e adoraria atuar no ramo. Existe muita discordância entre leitores sobre consumir traduções desde a época em que artigos científicos eram publicados em latim, mas quanto refletimos melhor sobre a língua em si e a importância social da leitura, podemos chegar a algumas conclusões semelhantes.

       Assim como nós determinamos o nome que damos as coisas, também associamos a essa palavra a ideia que temos sobre esses objetos, logo uma tradução não é apenas adaptar vocábulos, mas reproduzir o pensamento de um povo em outro ambiente utilizando elementos semelhantes. Essa é ao mesmo tempo a justificativa e o calcanhar de Aquiles da tradução:


      Na tradução de um livro, primeiramente devemos ler e compreendê-lo como uma obra em si. Depois, buscamos identificar os mecanismos usados pelo autor para transmitir as informações e efeitos que captamos durante a leitura. Esse mecanismo linguístico pode abranger desde simples metáforas poéticas até referências específicas à realidade de uma época, como Lewis Carroll faz diversas vezes em Alice no País das Maravilhas, satirizando os costumes vitorianos da sociedade inglesa. Por isso, o tradutor precisa ter um conhecimento muito amplo sobre o autor em questão: personalidade, vivências, trabalhos anteriores, posteriores e por aí vai. Traduzir é realmente um trabalho homérico, pois além de saber o suficiente para problematizar a obra como um crítico, também é necessário ter um bom domínio da expressão literária, no entanto mesmo assim tudo isso às vezes não é o suficiente.

      Tendo em vista que existem diversos aspectos culturais que não possuem correspondentes em outras línguas, nem sempre a tradução pode atingir 100% de seus objetivos. A tradução de A Game of Thrones feita por Jorge Candeias, por exemplo, não tentou adaptar alguns sobrenomes como Snow ou Stone, por que o mesmo não poderia ser feito com Lannisters, que perderiam a referência a famosa família inglesa Lancaster, que assim com os nobres aloirados de George Martin também estiveram em um lendário conflito com outra família, os York. Nesse ponto podemos relevar a decisão nada fácil do tradutor, mas o que dizer quando as obras de Tolkien como O Senhor dos Anéis possuem mais de 400 nomes e não enfrentam o mesmo problema? Na verdade não é bem assim:


      A primeira tradução de O Senhor dos Anéis para o português foi dividida em seis volumes (!) e assinada por Antônio Ferreira da Rocha nos dois primeiros livros e Luiz Alberto Monjardim nos restantes, lançada entre 1974 e 1979. Só para sentir o drama: Entre os membros da sociedade do anél estão Frodo Bolsim, Meirinho Brendibuque, Sam Pacolé e Gandalfo. Na segunda tradução dos anos 80, os nomes foram mantidos em inglês, o que também não foi melhor, afinal muitos trocadilhos e referências com nomes são recorrentes durante o livro, principalmente pelos hobbits. A edição de Lenita Esteves e Almiro Pisetta lançada que conhecemos hoje, lançada em 1994 pela Martins Fontes, finalmente conseguiu acertar a questão dos nomes, mas é importante lembrar que Tolkien escreveu até um guia para a tradução de suas obras, o Guide to the Names in "The Lord of the Rings" e a maioria dos tradutores não contam com essa mãozinha. Apesar de tudo isso a tradução ainda tem vários problemas, então podemos perceber o quanto é difícil fazer esse trabalho. É inevitável então pensar que traduzir completamente uma obra pode não ser realmente possível, ou mesmo livros totalmente intraduzíveis. Exemplos de discordância sobre isso não faltam, um deles da nossa própria terrinha onde canta o sabiá:


    Obras essencialmente regionais ou construídas com base em diversos fatores culturais específicos podem sim ser consideradas intraduzíveis, pois perdem muita informação contida em seu texto quando são adaptadas para outro idioma ou simplesmente ficam com tantas notas de rodapé que não faria diferença ler a tradução ou o texto original com um dicionário na outra mão. Os Sertões, de Euclides da Cunha, foi chamado por muitos de “intraduzível”, pois utiliza diversos termos e expressões nordestinas misturadas com um arcaísmo que dificulta até mesmo a nós, nativos de língua portuguesa, a sua compreensão, mas não devemos extrapolar o objetivo da tradução: Quando nos propomos a ler uma obra estrangeira essencialmente regional, é no mínimo imprudente não ter um conhecimento relativo sobre aquela cultura de antemão.

      A tradução é um trabalho artístico socialmente necessário, pois certos livros são indispensáveis para entendermos alguns conceitos do nosso meio e nem todos tem condições de ler livros em idiomas estrangeiros. É claro que seria melhor que os leitores procurassem estudar a língua da obra original para fazer a sua leitura, mas isso apenas elitizaria o conhecimento ao invés de fomentá-lo, além de uma privação desnecessária em muitos casos. Sendo assim, a tradução como um trabalho literário e social é tão digna de respeito e consideração quanto as obras com quem lidam.

    Eu gosto de ler na língua original quando eu posso por que acho interessante e ao mesmo tempo desafiador, no entanto eu não me sinto prejudicado de forma nenhuma quando tenho que recorrer a traduções, afinal eu não falo o francês de Leroux, nem o alemão de Schopenhauer. Como professor de inglês, eu sempre incentivo meus alunos a procurarem obras de linguagem acessível com as quais eles se indentifiquem como um avanço nos estudos, assim como no próprio habito de leitura, mas se o texto pertence ao leitor como dizem, cabe a você decidir sobre isso.

Felipe Essy

2 comentários:

  1. Oláaaa! Achei suuuper interessante o seu post... Eu tenho um receio em traduzir sabe?! Sei lá, acho que é muita responsabilidade...
    Gostei de saber sobre a tradução do senhor dos anéis, pois não sabia disso.

    Beijos, seguindo aqui!
    http://estoulendoo.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Ane! Eu gosto de traduzir quando tenho a oportunidade por que não deixa de ser uma forma de produção literária. Mesmo com alguns problemas já descobertos, a tradução da Martins Fontes é a minha favorita, pois nos aproxima mais dos personagens. Um abraço! ;)

      Excluir