Buenas, meus amigos! Dia 25 temos Caetano Veloso em Porto Alegre e 30 já estreia Faroeste Caboclo, sendo assim não poderia ter época melhor do que agora para falar de música brasileira. Ano passado eu fiz algumas postagens sobre a Tropicália e alguns de seus artistas, mas muita coisa ficou de fora e está na hora de complementar esses posts falando um pouco sobre a banda brasileira odiada por muitos e idolatrada por quem tem juízo: Os Mutantes.
QUEM?
Muita gente já ouviu o nome “Mutantes”, mas quase ninguém sabe o que realmente são. Há alguns anos atrás, antes de conhecê-los, eu apenas sabia que se tratava de uma banda brasileira esquecida dos anos sessenta, mas nada além disso. Um dia assisti um entrevista onde um musico citou os Mutantes como uma de suas influências e eu, cansado de não saber mais quem eram, resolvi baixar um dos discos e foi aí que me perdi. Até aquele momento eu vivia um relacionamento estável com os Bealtes, apaixonado pelo contraste da sensibilidade e do experimentalismo em suas canções achando que eu jamais acharia algo tão bom quanto aqueles vinis arranhados, mas a questão não era quem seria melhor do que os Beatles, mas quem levaria os conceitos musicais deles a um nível que os próprios jamais foram capazes de realizar e esses foram os Mutantes que traduziram gêneros tão estrangeiros como o rock e a música erudita em ritmos tropicais numa coisa absurdamente linda.
Mais conhecida como “a banda onde surgiu a Rita Lee”, os Mutantes nunca foram comercialmente muito bem sucedidos e nem aclamados pelo grande publico, mas a sua grandeza era evidente para aqueles que entendiam de musica na época, o que garantiu que não fossem totalmente esquecidos, sendo no entanto enterrados pela mídia e ofuscados pela charmosa Rita Lee, que se encaixou perfeitamente no que a massa dos anos 70 e 80 queria depois de muita dor de cabeça nos anos de chumbo da Ditadura Militar, mas é curioso que Os Mutantes foram uma banda que assim como muitas outras foi muito mais reconhecida no exterior e até hoje é lembrada lá, ao contrário daqui. O que há para saber de importante sobre essa banda afinal? Acho que podemos resumir na frase abaixo dita por Bill Bartell, amigo de Kurt Cobain para o qual apresentou a banda, falando sobre um ensaio dos remanescentes dos Mutantes em 2006:
“ – Se eu tivesse que escolher entre isso e o último show dos Beatles, eu escolheria isso.”
O INÍCIO DA MUTAÇÃO
Filho da primeira concertista brasileira e de um cantor, Arnaldo Baptista nutriu desde cedo um natural interesse pela música, assim como seu irmão Cláudio que mais tarde se especializaria na criação de equipamentos musicais. Os Beatles começavam a impressionar pelo refinamento musical que logo iniciaria a fase psicodélica do “fab four” e os irmãos Batista decidiram entrar na dança caindo de cabeça no início da fundação do rock no Brasil. O país vivia a monotonia da MPB carioca apreciada pela massa e preferida pela elite. Os poucos instrumentos musicais para bandas de rock disponíveis nas lojas estavam longe dos bolsos da maioria, então Arnaldo vendeu uma relíquia de família para comprar um baixo elétrico deixando para Cláudio construir por conta própria o resto do equipamento da banda que junto com a namorada de Arnaldo, Rita Lee, daria origem mais tarde aos Mutantes, no entanto isso só aconteceria graças a tímida entrada do caçula dos irmãos Batista que mudou totalmente o rumo da musica brasileira: Sérgio Baptista.
O protótipo dos Mutantes: a banda O'Seis |
Usando uma guitarra dourada construída por seu irmão que mais tarde ficaria conhecida como “a guitarra de ouro”, Sérgio largou a escola assim que se apaixonou pelo estudo do instrumento. Com pouco mais de quinze anos ele iniciou um trabalho que mais tarde lhe asseguraria um lugar de respeito entre os maiores guitarristas de todos os tempos, mas na época era fortemente intimidado por músicos de gêneros tradicionais e emissoras que organizavam passeatas contra a guitarra elétrica – sim, acredite se quiser. Entrando na banda de seu irmão Arnaldo, sua participação junto com a de Rita assumiu o nome de O’Seis que resultou num LP que não vendeu quase nada, mas que já anunciava que algo intrigante estava para surgir. Com a saída de alguns membros incluindo Cláudio, que continuaria a dar suporte técnico para o grupo, Arnaldo, Sérgio e Rita assumiram finalmente o nome Mutantes.
MUTANTES
Em 1966 a banda se apresentou num programa de TV comandado por Ronnie Von na Record, artista da Jovem Guarda, e sua performance foi impressionante: se não fosse suficientemente exótico serem uma banda rock na terra do samba, o virtuosismo dos integrantes com a complexidade de suas musicas espantou Ronnie Von que não acreditou que tudo aquilo poderia ser feito por apenas aquelas pessoas – e até hoje é difícil de acreditar. É quase impossível uma banda de quatro integrantes executar qualquer música dos Mutantes sem uma parafernália de pedais e uma boa experiência musical. Quando vemos o vídeo abaixo é de ficar de boca aberta que apenas quatro pessoas com equipamento caseiro consigam executar musicas tão difíceis com tanta naturalidade.
Ronnie gostou tanto dos Mutantes que eles passaram a fazer parte do programa, onde conheceram seu baterista Dinho Leme, que integrou permanentemente o grupo dando origem então a formação clássica da banda. Durante um dos programas, os Mutantes tiveram contato com aquele que seria decisivo para sua identidade musicalmente tropicalista: Rogério Duprat.
O TROPICALISMO
Rogério Duprat |
Rogério Duprat foi uma das figuras mais importantes da musica brasileira e muito do que tempos hoje nós devemos agradecer a ele. Apesar de não ter estampado sua cara em discos e gritado em microfones em cima de palcos, Duprat foi o responsável pela instalação de uma revolução de valores no Brasil criando o movimento tropicalista e espantou muita gente que julgou precipitadamente suas roupas caretas e seu óculos enormes. Visionário, Duprat era um maestro que apadrinhou Gilberto Gil e Caetano Veloso com os quais decidiu criar um movimento cultural no Brasil para libertar a música nacional dos muros impostos pelos artistas e emissoras conservadoras, inspirado no movimento hippie e no modernismo, mesclando a musica erudita, o rock e ritmos brasileiros, adaptando e ampliando a ideia iniciada pelos Beatles nos discos Revolver que estava bombando lá fora.
A ideia do Tropicalismo começou com Duprat produzindo as musicas de Caetano e Gil. O III Festival de Musica Brasileira da TV Record estava chegando e Duprat percebeu que o estilo psicodélico abrasileirado dos mutantes era perfeito para acompanhar Gilberto Gil no festival com “Domingo no Parque”, que acabou ganhando o primeiro lugar. Apesar de não lerem partituras, o talento da banda era evidente e Duprat logo passou a produzi-los, envolvendo-os em todos os projetos que culminariam no Tropicalismo, incluindo discos de Caetano Veloso. Em 1968 foi lançado finalmente o disco símbolo do movimento, Tropicália ou Panis et Circenses, no qual vários artistas apadrinhados ou convidados por Duprat encabeçaram a iniciativa. O Tropicalismo não caiu no gosto do povo, mas insistiu em seus ideais revolucionários até que o governo finalmente lhes deu atenção, mas não do jeito que queriam: Caetano e Gil foram exilados para o Reino Unido e o Tropicalismo não pode continuar sem seus mentores, no entanto foi com os Mutantes que e movimento realmente alcançou seu potencial, na indigência e rejeitados pela fama.
O AUGE
Sem as limitações do Tropicalismo nem a pressão de um publico que esperasse alguma coisa deles, os Mutantes se jogaram de cabeça no experimentalismo, arriscando fórmulas e métodos resultando em álbuns incríveis, no entanto nunca foram dignamente reconhecidos no Brasil, tendo que excursionar em outros países onde rapidamente provocaram admiração. Em uma das suas pequenas turnês pela França eles foram homenageados num especial de Televisão do qual você pode conferir um trecho abaixo:
Durante aquela mesma excursão pela França, a banda gravou musicas já lançadas em discos anteriores traduzidas para o inglês, mas a gravadora deles, a Polydor, se recusou a lançar o álbum, mesmo ele estando completamente pronto, pois apenas continuava mantendo o contrato com a banda por uma questão burocrática. Naquela mesma viagem, a Polydor inglesa convidou a banda para morar na Inglaterra e gravar suas musicas, mas Arnaldo somente contou esse fato depois de retornarem ao Brasil. Décadas depois do fim da banda, o disco gravado na França foi lançado em CD com o título Tecnicolor durante uma onda de interesse no tropicalismo no exterior, tendo a capa desenhada por Sean Lennon, filho do Beatle, que declarou:
“ - Eu não sabia que havia uma banda como Os Mutantes no mundo. Foi uma das melhores gravações que ouvi na vida.”
A DECADÊNCIA PROGRESSIVA
Ao contrário de outras bandas que viveram a onda psicodélica, os Mutantes não se drogavam para compor suas viagens musicais e o que para muitos foi o combustível do sucesso, para os Mutantes foi a causa do incêndio. A partir da gravação de Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, seu quarto álbum de estúdio, a banda passou a usar drogas com frequencia e participar de comunidades hippies, onde haviam trocas de parceiros sexuais, o que abalou o relacionamento entre Rita e Arnaldo (que eram casados), resultando na separação e saída de Rita Lee da banda. Entorpecidos pelo LSD e melancólicos pela depressão de Arnaldo após o divórcio, os Mutantes adentraram no rock progressivo fazendo seu “pseudo-Dark Side of the Moon” com o álbum O A e o Z. O disco desagradou totalmente a Polydor que não queria mais saber dos Mutantes sem a Rita Lee e se não bastasse não lançar o disco – como já havia feito com outro álbum, ainda despediu a banda. Embora os Mutantes tenha continuado em atividade, Arnaldo deixa a banda devido aos seus problemas com as drogas, sendo seguido pelos outros integrantes que deixam o nome Mutantes agonizando nas mãos de Sérgio que somente reconheceu a hora de parar após mais dois discos fracos e um melancólico show com 200 pessoas em 1978.
O RETORNO
Rita Lee tornou-se uma garota propaganda do pop nacional, Sérgio Baptista fez algumas participações nos discos de Rita e seguiu em projetos próprios enquanto Arnaldo se retirou para o interior onde se recuperou fazendo pintura, yoga e outras atividades onde permaneceu quase esquecido. Durante as décadas que se seguiram muitos foram os convites e boatos sobre uma volta com os integrantes originais, mas foi somente em 2006 que os Mutantes retornaram: A banda foi homenageada na mostra Tropicália – A Revolution in Brazilian Culture, onde foi convidada a se apresentar num dos mais tradicionais centros culturais da Europa, o Barbican Hall. Rita obviamente não aceitou, mas Sérgio, Arnaldo e Dinho organizaram um show substituindo Rita por Zélia Duncan numa apresentação incrível. Após uma breve turnê, Zélia e Arnaldo deixaram a banda, mas Sérgio e Dinho continuaram, substituindo os integrantes e gravando um novo álbum: Haih ou Amortecedor.
MVTANTES COM “V”
O disco lançado em 2009, foi batizado com uma palavra antiga para corvo, “haih”, com qual Sérgio sempre se identificou e esse album é basicamente uma releitura do trabalho dele nos Mutantes, cheio de referências e citações as obras da banda. Talvez uma tentativa comercial de agradar os fãs saudosos ou simplesmente uma “visita” aos velhos tempos, mas de qualquer forma um ótimo disco onde Sérgio rebatizou a banda substituindo o “U” de Mutantes por “V”, numa possível referência a representação original da letra em Latim – que aliás os Mutantes adoravam usar de vez em quando. No dia 30 de Abril a banda estará lançando oficialmente o disco Fool Metal Jack, que já está disponível na net para ser escutado. A turnê de divulgação já começou e eu estou louco para ver o show que logo será anunciado.
Enfim, os Mvtantes de hoje não são os Mutantes de antes, mas ainda tem um boa parte da essência contida em Sérgio que continua apostando alto na sua paixão pelos Mutantes, essa banda que sempre nadou contra a corrente e recebeu tão pouco por tudo que fez, gerando a inevitável questão sobre a sua real importância para o Brasil: Se os brasileiros na sua maioria nunca gostaram dos Mutantes, como eles podem ser tão importantes para o Brasil? Pelo simples motivo que eles foram uma grande banda que tinha qualidade e foi boa o suficiente para não precisar de um grande publico e canais de televisão para serem lembrados, mas apenas a admiração daqueles que nunca se esqueceram da grandiosidade de seu trabalho.
F. Essy
A fase progressiva não tem nada de "decadente"! O próprio Sérgio já comentou que o álbum "TFFPS" foi o álbum que mais vendeu da banda! Adoro todos os discos! Inclusive o "A e o Z", "TFFPS", "Cavaleiros Negros" e o "Ao Vivo". Todos perfeitos!!! A formação que gravou o "TFFPS" fez um puta show no "Psicodália" e se prepara pra mais um show com essa mesma formação!
ResponderExcluir“pseudo-Dark Side of the Moon".. uma coisa não tem nada haver com a outra!