A claridade lhe cutucava as pálpebras para ver se acordava, mas deu as costas para a hora e prolongou o retiro embaixo das cobertas. A canção agourenta do despertador bradou mais uma vez e Pedro se convenceu que já era hora de calçar os sapatados e lavar o rosto.
Erguendo a cara que pingava sobre a pia, viu um estranho no espelho. Viu a vaga lembrança de um velho reflexo, mas não como lembrava. Encarou fixamente o espelho esperando que o intruso fosse embora, mas ele continuou ali, imóvel. Não obstante, o estranho se aproximou e fitou-lhe os olhos tão de perto que quase se tocavam. Pedro, firme, encarou o ponto negro de seus olhos. Viu a escuridão crescer, tornar-se imensa até cobri-lo e num devaneio tropeçou da beirada castanha para dentro do abismo negro, sumindo-se.
O ar muito denso fazia com que Pedro caísse muito lentamente e em todo aquele tempo incontável e assim podia observar a escuridão do vazio em que mergulhava. Depois de muito tempo avistou o reflexo da água ao fundo. Pouco antes de cair ouviu gritos, sussurros perdidos entre cânticos pagãos que silenciaram ao choque contra o mar. Um mar negro e agitado, mas que logo acalmou-se e tornou-se um mero lago sereno. De repente Pedro sentiu areia sobre os pés caminhou até a margem. À vista aquela terra parecia fofa e branquinha, mas conforme a pisava sentia sua aspereza e a tornava escura.
A terra vinha, a terra passava, mas Pedro não chegava a terra nenhuma. Não havia nada além do nada, só a sombra do vazio. Percebeu então que não havia mais nem terra, nada o separava da escuridão e ela o tocou e o escureceu e o fragmentou até que seu ensurdecedor grito de desespero tornou-se surdo, mudo e morto no reflexo despedaçado do espelho.
F. Essy
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