Buenas, pessoal! Assim como muita gente, eu cresci vendo os desenhos da Disney e rebobinando as fitas que eu tinha em casa, mas ela não é mais aquela empresa de desenhos nem as crianças tão crianças assim. A Walt Disney mudou junto com a infância, mas para entender como isso aconteceu, temos que dar uma olhada lá para trás.
A CAIXA DE PANDORA EM 25 POLEGADAS
A Disney foi uma das grandes pioneiras na produção de desenhos animados, levando ao cinema a arte de narrar histórias infantis e junto com isso também as crianças que até então não eram vistas como consumidores, o que mudou drasticamente assim que o mercado percebeu as possibilidades dessa exploração, passando a terem produtos especialmente direcionado para elas. O que ninguém percebeu foi que quando a televisão trouxe o mundo dos adultos para dentro de casa, ele também ficou ao alcance das crianças que passaram a ser expostas diariamente desde cedo a ideias que elas não tinham vivencias suficientes para entender. Assim oque começou como o reconhecimento da criança acabou terminando no fim da infância que conhecíamos e as adaptações que a Disney teve ao longo do tempo refletem essa mudança desde o início.
ANOS DOURADOS EM TONS DE CINZA
A inovação sempre foi a alma do negócio de Walt Disney e começou com o mascote do estúdio, que é reconhecido por qualquer um em qualquer lugar até hoje, numa das suas primeiras produções. Na abertura das últimas animações da Disney, foi feita uma homenagem à primeira aparição de Mickey Mouse, em que é mostrado um trecho de Steamboat Willie, de 1928. Não querendo fazer um resumo da história do estúdio, mas nesse pequeno desenho preto e branco do Mickey tem a origem e explicação de uma das marcas dos antigos desenhos da Disney: as canções.
Os primeiros filmes falados acabavam de surgir, mas mesmo assim poucos deles ostentavam diálogos e ler os interlúdios das falas era além de maçante, nem sempre viável para um publico infantil abrangente – que Walt Disney como bom investidor sempre visou. Daí a importância das trilhas e a presença das canções que existiu bem durante a época de cantigas de roda e que se tornou irritante depois.
CORES E VHS
Embora as fitas tenham surgido muito depois do primeiro desenho colorido da Disney, foi através delas que os desenhos foram distribuídos para o grande publico na era do entretenimento doméstico e pelo qual eu conheci a primeira produção em tecnicolor: A Branca de Neve e os Sete Anões acabou inaugurando todo um campo de exploração do publico infantil como consumidor. Depois disso os maiores sucessos da Disney se resumiram em outras adaptações de clássicos da literatura como Cinderela, A Bela e a Fera e daí por diante. Eu nunca gostei muito de Branca de Neve quando era criança, mas ele foi indiscutivelmente genial. Até hoje certas passagens soam muito sombrias e deu uma carga emocional para as animações de histórias infantis que até então não existiam, refletindo a abrangência do pensamento da criança sobre o mundo que não pararia de se “adulterar”. Um desenho deixado em segundo plano durante a sua produção em relação aos outros projetos que a Disney estava desenvolvendo seria um verdadeiro divisor de águas nos anos 90, a última década de ouro do desenho animado no cinema: O Rei Leão.
TRAIÇÃO, VINGANÇA E MORTE FELINA
Não é segredo para ninguém que eu amo O Rei Leão e motivos não faltam. Inspirado na tragédia shakespeariana Hamlet, o desenho conta a história do retorno do herdeiro do trono exilado na sua vingança contra o tio usurpador que matou seu pai. Talvez muita gente nunca tenha reparado nisso, mas lendo assim fica evidente que o desenho levou a carga dramática das animações para outro nível. A criança dos anos 90 não era mais aquela que estava descobrindo o mundo, a TV era a verdadeira escola, os filhos trocavam o Mickey pelo Exterminador do Futuro e a Disney já não sabia muito bem como cativar aquele novo publico. Foi então que veio essa ideia de trazer um enredo mais carregado através de animais falantes para que não ficasse tão pesado. As canções do desenho saíram daquele modelo lírico dos clássicos Disney trazendo dois nomes de peso: Elton John e Hans Zimmer. Elton deu uma roupagem pop às canções-narrativas cantadas pelos personagens enquanto Hans Zimmer trouxe um ar sombrio e mais intenso à trilha instrumental. O filme foi um sucesso e trouxe à criança de volta o interesse pela infância “animada” que logo se tornaria obsoleta.
AO FINITO E ALÉM
Impossível não reconhecer a referência à famosa fala de Buzz Lightyear, mas dizer que o sucesso e inovação de Toy Story traria uma infinidade de possibilidades para a animação não poderia estar mais errada. É inegável que o desenho sobre o cowboy Woody e seu dono Andy foi um marco e revolucionou o modo de contar histórias para o publico infantil, mas ao contrário dessa obra, o que veio depois foi uma prisão de padronização. Inicialmente a Pixar, que produziu o desenho, era um departamento da George Lucas Ldta, relacionada aos efeitos de computação gráfica. Em parceria com a Disney, a Pixar encabeçou esse projeto corajoso levando a animação a uma qualidade cinematográfica abrindo campo para que muitas outras empresas fizessem o mesmo – e infelizmente isso aconteceu da maneira erra.
O cinema infantil estava perdido entre celulares, computadores e a programação nada inocente da televisão. Foi aí que a animação achou a saída no genêro que sempre foi um verdadeiro conquistador de grandes públicos: a comédia. O ogro rabugento da DreamWorks conquistou plateias do mundo todo parodiando os estereótipos do desenho animado extinguindo de vez os desenhos cantados e originando uma série de variantes pouco criativas, aprisionando a animação em comédias pastelão. Todo desenho se tornou um tira sarro sobre contos de fadas esgotando a fórmula até a situação que conhecemos.
O desenho animado nos moldes ocidentais perdeu seu lugar no cinema, mas principalmente no coração das crianças, servindo apenas de um passa-tempo televisivo, mas a Disney percebeu isso e mais uma vez deu a cara a tapa se reinventando totalmente abraçando de vez a indústria dos filmes.
ENTRE O RUM E AS ESTRELAS
Não é de hoje que a Disney faz filmes, mas foi preciso que um grande sucesso desse coragem para a empresa se desapegar as comédias infanto-juvenis. Piratas do Caribe e o Baú da Morte foi apenas mais um projeto, mas a dimensão de sua enorme popularidade mostrou a salvação para o estúdio que não sabia bem para onde andar. Ao invés de tentar vender o mesmo peixe de 1928 para as crianças high-tech, a Disney percebeu que poderia fazer filmes que abrangessem tanto o publico jovem quanto o infantil, mas não com filmes para crianças interessantes o suficiente para que os mais velhos também assistissem, e sim produções focadas para um público jovem e que também tivessem elementos que cativassem as crianças, como o hilário Jack Sparrow.
O sucesso inesperado do filme foi um susto e a Disney decidiu abraçar de vez esse campo cinematográfico. Depois de X-Men, as adaptações das histórias da Marvel começaram a crescer e o estúdio da Walt Disney viu aí a possiblidade de um novo investimento. Com os filmes de super-heróis no auge com a pré-produção de Os Vingadores em pleno andamento, a Disney anuncia a compra da Marvel Entertainment criando polêmica sobre o futuro das franquias. Com críticas de que infantilizaria os filmes, a Disney calou a boca de todo mundo com o sucesso avassalador de Os Vingadores, gerando uma das maiores bilheterias de todos os tempos, como sempre fez, mas o estúdio não se acomodou depois de passar esse sufoco: Ano passado a Disney Company comprou a Lucasfilm e entrou botando o pé na porta anunciando uma nova sequência para Star Wars, até então algo impensável para qualquer empresa com o mínimo de bom senso, mas quando falamos da Disney, disparates como esse significam simplesmente confiança na sua competência.
Com esse artigo eu quis, além de escrever sobre um dos meus estúdios preferidos, também falar sobre essa criança de hoje que para mim é tão estranha. Antigamente a infância era só vista como um período antes do amadurecimento, a criança não tinha espaço dentro da sociedade e hoje essa situação parece estar se repetindo de certa maneira. Quando eu olho as crianças na rua, eu não vejo eles vestidos como crianças, mas sim exatamente iguais aos adolescentes que por sua vez imitam os mais velhos, ou seja, ninguém mais quer não ser adulto. Parece vergonhoso ter infância hoje em dia, está fora de moda e isso me incomoda por que esse é um dos períodos mais legais onde fazemos uma série de descobertas, mas sobre coisas que temos condição de entender e não o que eu estou vendo por aí. Tem guri de 12 anos contando o que fez na festa de sábado para os amigos na segunda-feira e isso não é coisa das grandes capitais lá longe ou da periferia que a gente nunca foi, é aqui mesmo no nosso quintal. A gente custa a acreditar até ver com nossos próprios olhos e perceber que esse mundo desconcertante aí fora está aqui dentro, mas infelizmente a solução para isso a gente não pode esperar que a Disney resolva.
Felipe Essy
Nenhum comentário:
Postar um comentário