Há muito tempo eu esperava o dia em que eu pudesse voltar ao mundo maravilhoso construído por Peter Jackson, apesar disso tudo eu não estava explodindo de expectativa sobre O Hobbit como você pode imaginar, por que o trailer já tinha me convencido que não seria oque eu chamo de ruim. Fui para o cinema e me sentei naquela poltrona sem ter a menor ideia do que esperar e então começou. Eu entrei naquela sala pensando em aplaudir no final como eu fiz em O Retorno do Rei, mas algo não me deixou aplaudir. Eu somente faço isso quando um filme me cativa, me deixa com aquela vontade de querer olhar de novo, mas aquilo não aconteceu e assim surgiu essa crítica totalmente inesperada.
OBS: O texto abaixo contém revelações do enredo!
A I N T R O D U Ç Ã O
O filme começa da mesma forma que A Sociedade do Anel, contando a queda do reino dos Anões. Apesar de parecer desnecessária no início, se mostra justificável ao longo do filme, construindo a identidade dos personagens anões na história. A representação de um reino dos anões “vivo” era o que eu mais esperava – e temia. Quase todos os ambientes desse primeiro ato – assim como grande parte do filme - são computadorizados e isso foi algo que tirou muito da identidade das adaptações de Peter Jackson. Os figurinos, maquiagem e ambientes reais foram os principais responsáveis por tornarem a história de O Senhor dos Anéis algo que parecia tão real enquanto O Hobbit apresentava cenários tão deslumbrantes que sempre nos “lembravam” que era uma fantasia. Ainda sobre o reino dos anões, eu gostei muito mais da representação feita pela equipe do jogo sobre as obras de Tolkien, War in the North, que me pareceu muito mais realista. Bem, sigamos o barco:
D E V O L T A A O C O N D A D O
Após o prelúdio, o filme mostra Bilbo escrevendo suas memórias, no entanto demora até dar uma referencia temporal para o espectador que fica um pouco perdido se não tiver visto a cena da versão estendida da Sociedade do Anel no qual foi inspirada. Daí em diante o filme começa uma narrativa lenta, mas não chega a ser exagerada, pois afinal é uma história breve que permite uma exploração mais tranquila dos personagens. Muitos acharam esse ritmo entediante, mas eu suponho que Jackson tenha feito isso propositalmente para que os espectadores se adaptassem a nova tecnologia dos 48 frames por segundo. Na minha opinião o encontro dos anões com Bilbo em sua casa é a melhor parte do filme, pois nos apresenta os dois lados dessa raça tão peculiar. Primeiro o lado cômico (retomando o conhecimento prévio sobre a raça anã do personagem da trilogia anterior, Gimli) através da comilança e da brincadeira com os pratos. Em seguida uma introdução a um lado obscuro e triste com a canção Misty Mountains (Montanhas Sombrias), muito boa por sinal. Assim Peter conseguiu entrelaçar os personagens e nos cativar com eles.
O N O V O B I L B O . . .
Quando foi anunciado que Martin Freeman atuaria como Bilbo, me senti incerto pensando se eu iria conseguir desligar a imagem do personagem do ator da trilogia do anel e aceitar o novo interprete. Logo que vi as primeiras imagens dele caracterizado percebi que Martin se encaixara bem no papel e assistindo ao filme concluí – aliviado - que Martin Freeman atuou tão bem quanto Iam Holm fez antes. Algo que a direção acertou em cheio foi em evidenciar sua falta de jeito com situações fora de sua cômoda vida de Hobbit e trazer à tona o humor tão presente no livro de Tolkien, que sempre fazia uma piada ou outra quando o Hobbit era citado, muito diferente de Frodo que crescera ouvindo as histórias de seu tio sobre um hobbit participando de grandes aventuras e desventuras.
Enquanto Martin Freeman me surpreendeu como Bilbo, Ian Mckellen me desapontou como Gandalf. Durante o filme eu só tive uma impressão, mas quando assisti novamente a trilogia do anel há pouco tempo ficou evidente que a atuação de McKellen ficou ruim, principalmente no começo. Ian parece ter se acomodado no papel e não se preocupou tanto com seu desempenho de atuação, muito inferior em comparação ao seu trabalho em A Sociedade do Anel em que chegou a ser indicado ao Oscar por tamanha imersão no personagem e envolvimento com a história que nos fazia realmente acreditar que aquele mundo mitológico podia um dia ter existido de verdade.
T R O L S, E F E I T O S E P O D E R
Após Bilbo aceitar integrar a comitiva, os anões encontram três Trolls e começam os problemas. O ritmo narrativo, até então lento, tem uma quebra e sofre uma aceleração brusca, gerando um desconforto para o espectador que já havia demorado para se acostumar com o modo de narrativa anterior mais detalhada. Apesar de os Trolls realmente conversarem bastante no livro, Peter Jackson não deveria ter lhes dado tanta inteligência aparente, já que na trilogia original os trolls não pareciam tão perspicazes assim. Novamente o excesso de efeitos deu ao filme um ar de animação. É claro que o uso de efeitos nessa cena era inevitável, mas acho que a forma como foi utilizado poderia ter sido feito de modo a não nos fazer olhar aquilo como uma animação computadorizada e sim como personagens de uma história. A partir desse momento Gandalf passa a utilizar muito os seus poderes e causa um certo estranhamento tendo em vista o comportamento do personagem nos filmes anteriores. Peter aparentemente não quis baixar o nível de ação e aventura de O Retorno do Rei, fazendo com que Gandalf utilizasse mais os seus poderes, mas deve-se notar que ele praticamente não faz isso nos outros filmes – pelo menos não de um modo tão explicito. Após isso a comitiva segue viagem e acontece algo interessante, a inserção de outro mago na história.
U M N O V O M A G O
Quem viu o Senhor dos Anéis lembra da citação do Conselho Branco, que nada mais é do que a reunião dos magos. Havia cinco magos: Gandalf, o cinzento; Saruman, o branco; Os dois magos azuis – sobre os quais praticamente não há informação e também Radagast, o castanho. Esse último originalmente aparece apenas no livro Sociedade do Anél, mas sua participação foi sabiamente resgatada e inserida no Hobbit sem prejudicar o enredo, apesar de ter se tornado um personagem muito caricato e pouco explorado, pois seria um modo excelente de contar um pouco mais sobre a origem da Terra-Média. A equipe de Peter retratou o personagem de Radagast como poucos teriam ousado fazer, muito diferente da imagem “moderna” de um mago e acertaram em cheio. Radagast é um mago enviado à Terra-Média para proteger as florestas e os animais, mas acabou se desviando de seu propósito pela sua imensa paixão pela natureza, muito bem retratado pela atuação de Sylvester McCoy. O figurino concebido por Ann Maskrey e Richard Taylor também merecem palmas, lembrando muito as roupas de um andarilho que perambula frequentemente pela floresta, como deveria realmente ser.
D U R Ã O C O M O C A R V A L H O
Durante a viagem da comitiva, é contado um pouco mais sobre a origem de Thorin, que é pouca explorada no livro, apesar de existir. A construção do personagem foi com certeza o melhor feito da produção do filme, pois esse é um personagem forte e importantíssimo na trama que poderia ser facilmente superficializado sob uma personalidade caricata, pois no livro não houve uma preocupação tão grande com os personagens já que originalmente Tolkien criou a história para entreter seus filhos sem qualquer grande pretensão. A atuação de Richard Armitage também é excelente, sabendo dosar a seriedade do personagem para não se transformar num rabugento, como na adaptação para os quadrinhos de Charles Dixon e David Wenzel. Em O Hobbit, Thorin é rígido e determinado pelo seu sofrimento e ressentimento, lembrando muito alguns os personagens trágicos da literatura clássica.
E L R O N D E V A L F E N D A
Chegando em Valfenda, a comitiva encontra Elrond chegando de uma caça a orcs, estando o personagem visivelmente mais jovem e viril. Tendo em vista que a história se passa apenas 60 anos antes de O Senhor dos Anéis, em que Elrond aparentemente já passou da idade de se envolver pessoalmente nesse tipo de coisa, achei um pouco exagerado deixa-lo tão jovial já que seis décadas são insignificantes para um elfo que vive milhares de anos, mas consultando a descrição de Elrond nos livros, descobri que essa diferença tão grande é retratada assim mesmo. Em O Hobbit, Elrond é descrito como sendo belo como um Elfo e forte como um guerreiro, enquanto em A Sociedade do Anel sua aparência já evidencia a sua idade, descrevendo-o como nem jovem, nem velho. Vigoroso como um guerreiro, no entanto notavam-se os invernos que enfrentara. A nova representação de Valfenda é espetacular, um belíssimo trabalho de produção que Peter aproveitou para mostrar mais de alguns lugares e personagens pouco explorados na Sociedade do Anel devido a economia de recursos e equilíbrio de profundidade do enredo, mas Peter Jackson acabou exagerando na “ostentação” de efeitos em alguns momentos, como o lugar onde Elrond lê a Escrita-de-Lua que pareceu ter isso como única finalidade de sua existência na cidade de Valfenda. Durante uma reunião com a comitiva, há uma excelente explicação que não é dada explicitamente nos livros de por que Ferroada é a única das três espadas encontradas na toca dos trolls que não possui nome nem origem: Ferroada não é uma espada, na verdade é pouco mais que um punhal pelo seu tamanho e consequentemente nunca foi usada como tal, por isso não tinha um nome, apesar de provavelmente também vir dos antigos reinos dos elfos como as outras.
A S M O N T A N H A S S O M B R I A S
Partindo de Valfenda, os anões iniciam a travessia das Montanhas Sombrias num trecho mais ao norte que Moria e se deparam com um problema que nem Tolkien conseguiu consertar. Quando escreveu O Hobbit, Tolkien não tinha em mente a criação de um mundo mitológico como mais tarde foi feito pelo sucesso do livro, então foi basicamente uma reunião de vários elementos medievais sem necessariamente uma razão para estarem presentes na história. Quando lançou O Senhor dos Anéis, Tolkien fez algumas pequenas alterações na edição original do Hobbit, mas não pode retirar uma passagem muito problemática da obra que não se encaixava com o resto de sua mitologia: Os gigantes que lutam nas montanhas durante a passagem da comitiva. Tolkien nunca sequer citou a existência desses seres em qualquer outro texto, pois provavelmente quis ignorar sua existência na obra como um deslize. Sendo assim, era esperado que Peter aproveitasse a oportunidade e tirasse essas criaturas da passagem, mas infelizmente Peter quis aproveitar todos elementos de ação disponíveis e não retirou os gigantes, mas pelo menos teve o bom senso de substituí-los por seres rochosos que lembravam gigantes.
A D V I N H A S N O E S C U R O
Fugindo da luta colossal, os anões acabam capturados e Bilbo perdido no interior da montanha. Apesar da bizarrice da cidade dos orcs, não achei de todo ruim por que uma cidade dessas criaturas só podia ser assim mesmo, apesar que novamente eu achei o uso exagerado de computação gráfica caricato. Logo que Bilbo cai nas profundezas da montanha ele se depara com Gollum, mas esse encontro não acontece assim no livro. Originalmente, Bilbo vaga perdido pelo escuro temendo a morte iminente por estar sozinho num território hostil e que talvez nunca mais achasse a saída. Quem viu outros trabalhos de Peter Jackson como Espíritos (1996) e King Kong (2005) sabe que ele gosta de retratar cenários sombrios, mas estranhamente Peter decidiu não explorar a tensão desse momento do livro, assim como também não fez na passagem em que Frodo e Sam se perdem na toca da aranha Laracna. A sequência de advinhas é a minha segunda cena favorita do filme, pois além de retomar bem um personagem da trilogia anterior, o modo como a personalidade de ambos personagens é construída na cena é incrível.
A R A Z Ã O
Outra grande sacada do diretor foi justificar melhor a participação de Bilbo na empreitada de Thorin e aprofundar o interesse dos anões pela tomada da Montanha Solitária. No livro, Bilbo acaba participando da comitiva por se deixar levar e também pela promessa de fortuna enquanto os anões justificam sua empreitada apenas por vingança e riqueza. Sabendo que isso daria uma imagem muito avarenta para os anões e também para Bilbo, Jackson expandiu a motivação dos anões, destacando sentimentos e valores dignos além da retomada de um reino antigo, mas de seu lar, do lugar ao qual pertencem, dando também a Bilbo um motivo mais nobre para participar da jornada. Capturados,os anões são resgatados por Gandalf que literalmente parte para cima dos orcs com explosões de luz e espada. Acho que esse foi o primeiro momento em que a apresentação dos poderes de Gandalf foi realmente necessária, assim como em A Sociedade do Anel, em que se vê a primeira grande demonstração de poder do mago após bastante tempo na cena contra o Balrog. A sequência de luta e fuga dos anões é magnifica e talvez uma das mais bem executadas coreografias e fotografias do cinema, criativas e muito bem captadas.
E N T R E P I N H A S E L O B O S
Após tanto os anões e Gandalf quanto Bilbo saírem das Montanhas Sombrias, todos são perseguidos pelos orcs e wargs. Acudados sobre as árvores, Gandalf incinera pinhas tentando espantar os lobos. Fique feliz por Peter Jackson não transformar as pinhas em chamas de Gandalf em raios mágicos como bem podia ter acontecido. Essa simplicidade nos poderes de Gandalf deveria ter sido mais constante no filme, por que afinal é o primeiro de uma franquia e deveria moderar em aspectos que deveriam ter uma progressão ao longo da nova trilogia, afinal Gandalf nunca explicitou muito seus poderes nos outros filmes, muito menos nos livros e assim não prejudicaria a progressão narrativa na hexalogia como um todo. O filme encerra com os anões sendo resgatados pelas águias, no entanto não é nem um pouco explicado que povo afinal é aquele que tanto aparece em praticamente todos os filmes. O filme termina muito bem com um vislumbre de Smaug nos antigos salões dos anões na Montanha Solitária se não fosse por um detalhe: haverá mais dois filmes ainda. Aquele final sugere que a história terá uma conclusão logo e eu sinceramente não consigo conceber a ideia de que há possibilidade de estender a história por mais dois filmes, por que não houve tanta inserção de conteúdos do Silmarillion quanto o filme extra justificaria.
C O N C L U S Ã O
Minha opinião final sobre o filme é de que ele foi fraco. Muito bem produzido, sem dúvida, mas é uma trama reta, sem profundidade. É claro que eu sei que é baseado num livro infantil que não é muito complexo, mas se a proposta é estender a história em três filmes, eu esperava bem mais do que uma simples adaptação. Peter Jackson tentou impressionar a todos com seus efeitos visuais que foram muito desenvolvidos desde O Retorno do Rei, mas isso acabou deixando a história muito computadorizada, “animada”, longe do realismo da trilogia anterior. A Guerra do Anel cita histórias muito anteriores ao Senhor dos Anéis e bastante coisa poderia ter sido contada através das inúmeras “escapadas” que Gandalf da durante a jornada, como de certa forma aconteceu no filme da Sociedade do Anel, em que Gandalf vai a Gondor e Orthanc enquanto Frodo e Sam estão na estrada. Embora o filme tenha recebido muitos elogios, o filme passou longe das expectativas, pois mal se falou do Hobbit na mídia e ficou pouquíssimo tempo em cartaz, pouco mais de um mês, bem diferente da trilogia anterior. Eu sinceramente acho que essa nova trilogia não vai ter o mesmo impacto e sucesso de publico que teve a primeira, muito menos superá-la em qualidade, mas eu acredito na capacidade de Peter Jackson, pois há mais de dez anos atrás ele pegou um livro chamado de inadaptável e criou uma obra cinematográfica que revolucionou o cinema e até hoje influencia as produções que assistimos.
Bem, pessoal. Eu realmente me alonguei bastante nessa crítica, mas é normal quando é sobre algo que a gente gosta. Eu estou louco para postar conteúdos novos e poderia muito bem terminar aqui, mas como eu prometi um texto explicando alguns detalhes do filme como os que eu fiz com a trilogia original, seria uma sacanagem com quem está esperando por esse post não fazer o texto. Então na próxima publicação encerramos nosso ciclo de postagens sobre Tolkien, nemarië!
F. Essy
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Gostaria de dizer que o filme foi bom ou muito bom, porém não é a impressão que eu tive após vê-lo, ficou muito Harry Potter, muita magiquinha e como foi descrito na postagem o Gandalf não se entregou ao seu personagem, era uma outra coisa. Porém o que mais senti falta foram as imagens da paisagem que O Senhor dos Anéis proporcionava, o que gerava a ideia de um mundo real, que criava aquela vontade de conhecer um lugar assim, os palácios em ruínas, a ideia de medo e a atmosfera desagradável que havia fora das ilhas de felicidade na Terra Média. O Hobbit era a mais maleável das obras e nem por isso a menor.
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