Algumas semanas atrás fui ao cinema ver o documentário
Tropicália e posso dizer com toda segurança que foi uma das melhores
produções nacionais que já vi. Resolvi então fazer um texto mais completo
do que o que postei anteriormente sobre o movimento.
A EXPERIÊNCIA DOCUMENTADA
Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee,
Gal Costa, Sérgio e Arnaldo Baptista.
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O documentário Tropicália
não foi apenas um registro em vídeo de um movimento artístico, mas um
relato de como ele surgiu e morreu pela visão coloridamente ácida dos próprios
Tropicalistas remanescentes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, além de
muitos outros.
Quando eu entrei na sala de cinema, fiquei observando que
tipo de pessoas compartilhavam daquele interesse comigo. Alguns jovens
de estilo alternativo, outros vinham com óculos que viram muitas
páginas muitos verões. Durante o filme pude ouvir uma senhora cantando as
músicas que tocavam durante o filme e me senti menos "eu" e
parte de um "nós".
Os Mutantes, Caetano e Gil sendo vaiados Festival Internacional da Canção. |
Me emocionei vendo Caetano gritando à plenos pulmões
"Vocês não estão entendo nada! Nada! Nada!" contra
a plateia que lhe vaiava enquanto os Mutantes acompanhavam tocando de
costas para o público que atirava lixo no palco. No final do documentário, ouvi
o eco quase solitário das minhas e outras poucas palmas daquela tarde de
quarta-feira que aplaudiram em êxtase os artistas ausentes que me mostraram
como ser aquilo que eu me orgulho de ser e não me importar com o resto que
me incomoda.
Viva a banda-da-da!
UMA NOITE EM 67...
Na década de 1960, o Brasil tinha como “música nacional” a
chamada bossa nova, um canto baixinho de amor embalado por um violão como em
Garota de Ipanema e Eu Sei Que Vou Te
Amar, no entanto a monotonia e certa alienação do estilo musical em total
desarmonia com o pensamento crítico que vinha se desenvolvendo gerou um
descontentamento entre os jovens nas rodas de bar que discutiam as ideias
revolucionárias contra o imperialismo americano. Foi então que começou a se
ouvir os rumores de uma nova música vinda lá de fora, um tal Rock and Roll.
Os grandes nomes da televisão e rádio do país não apenas
fecharam as portas para a beatlemania, mas também organizaram diversos
movimentos contra a “invasão da cultura estrangeira”, chegando até a fazer
caminhadas conta a guitarra elétrica. Apenas uma manobra comercial apoiada pela
massa que achava mais fácil recusar o novo do que se adaptar a nova realidade. Foi
então que dois artistas deslocados da entediante realidade cultural, Caetano
Veloso e Gilberto Gil, resolveram criar um novo movimento, a Tropicália.
A proposta era criar uma música que transitasse entre todos
os outros estilos musicais ao invés de se limitar a estrutura rígida de apenas
um, tendo como principais influências as musicas tradicionais nordestinas e
sertanejas, além do samba é claro. Tudo junto e ao mesmo tempo, sem linhas, sem
limites, mas não se engane em pensar que era um movimento descompromissado.
Em 1968, Caetano e Gil orientados pelo seu produtor e
maestro Rogério Duprat, lançam o Panis et Circensis, um disco de canções que
não falavam apenas de amores e das coisas que estavam boas, também da
violência, de sexo, da hipocrisia humana e de tudo mais aquilo que incomodava
aqueles que não tinham voz. Para encorpar sua música, ambos chamaram uma banda
inacreditavelmente talentosa que brotou nas terras brasileiras regada ao rock
inglês, os Mutantes.
Os seguintes videos foram gravados no Festival de Música Popular Brasileira em 67, transmitido pela Record. O primeiro mostra a canção “Domingo no Parque” que Gilberto Gil tocou com os Mutantes para concorrer no festival e o segundo abaixo é da canção Alegria, Alegria de Caetano.
Ao contrário do que possa parecer, o Tropicalismo foi muito mais odiado do que amado, na verdade pouca gente entendeu o que eles estavam tentando fazer e a memória do Tropicalismo só sobreviveu até hoje graças aos críticos de música e aos consumidores de cultura alternativa, muito diferente do que aconteceu lá fora.
Os Mutantes foram homenageados na França por um programa de
TV em 1969 (confira o video abaixo) e Caetano e Gil vistos como gênios em Portugal. Até hoje seus nomes causam grande
movimentação. Assistindo a um ensaio dos Mutantes numa reunião da banda em
2006, o produtor do Nirvana disse em entrevista: “Se eu tivesse que escolher
entre isso e o último show dos Beatles, eu escolheria isso.” Sean Lennon, filho
de John Lennon, também disse que os Mutantes levaram a experimentação dos
Beatles a um nível superior. Muitos outros os citam como influência, desde Kurt Cobain ao Franz Ferdinan.
Um ano após o lançamento de Panis et Circenses, Caetano e
Gil foram expulsos do país pela Ditadura Militar para Londres, de onde só
retornariam em 1972. Com a pressão da censura e a ausência de Caetano e Gil, o
movimento foi se fragmentando até morrer oficialmente com o agonizante fim dos
Mutantes em 1973.
Caetano teve musicas em novelas. Gilberto Gil traduziu
músicas do Bob Marley e tornou-se ministro da cultura. Rita Lee, antiga
vocalista dos Mutantes, abraçou a música para vende e ninguém mais lembra quem
eles realmente são. Sim, ainda são. Não me refiro a Rita Lee, é claro, mas
qualquer um que veja Caetano Veloso, verá na escuridão daquele olhar afiado a
mesma força que ele empregou na formação do Brasil como um país culturalmente
vivo, mesmo que apenas nos bares que não se dobram a plasticidade e alienação
da produção cultural vendida pela TV.
Continua aqui.
F. Essy
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