Era mais um dia de trabalho e menos um da minha vida. Saí de casa com aquela sensação estranha de quando se acorda cedo. Cheguei na frente da loja e iniciei a cadeia de eventos: desliguei o alarme, forcei a grade enferrujada e desfiz as duas voltas de chave que eu tinha feito ontem na porta. Parecia que eu entrava numa prisão e meus devaneios acorrentados me observavam dos cantos e sombras. Por fim liguei as luzes raquíticas e sentei atrás do balcão para me convencer que eu não estava mais na minha cama. Definitivamente eu não estava.
A
decadência daquela loja só me fazia ter mais certeza da minha. Eu não sabia
fazer nada nem pretendia qualquer coisa que me levasse para algum lugar, por
isso eu estava ali no fundo da piscina olhando para cima. Não é surpreendente
que eu estava trabalhando ali, o cara mais ou menos da loja mais ou menos. Isso até que dava um bom slogan, mas acho que
não ganharíamos muito com isso. Levantei e peguei a vassoura para arejar a
cabeça, por que mente cheia é sinal de mão desocupada. Varri um pouco, mas logo
os pensamentos emergiram do chão como o pó que eu levava até a calçada e
resolvi parar para contemplar a falta de movimento na rua. Apoiado sobre a
vassoura, vi que uma mulher fazia o mesmo ali perto. Estava de avental na frente do restaurante ao
lado, trabalhava lá decerto. Não pensei
em desviar o olhar por que minha discrição ainda não estava funcionando, mas o
senso de percepção dela também não parecia estar a todo vapor. A moça deu as costas para a rua e entrou no
restaurante.
Não
era nada demais, mas fiquei pensando quem era. Ainda me surpreendo quando vejo
alguém em São Bernardo que eu ainda não conheça, mas quanto mais o tempo passa,
mais gente nova aparece. Resolvi então
dar uma olhada ao redor: já tinha fila para o barbeiro careca, o cara do
sorvete esperava sentado pelos clientes e eu ali matando meu serviço. Eu
trabalhava ali há dois anos e nunca tinha puxado conversa com ninguém, não
sabia nem o nome deles. Foi então que vi o velho do carrinho. Ele sempre passava
por ali, catando latinhas e papel com aqueles carrinhos de supermercado. De
fato era muito simpático, sempre vinha me perguntar no fim da tarde se tinha
algo para ele e eu arranhava alguma coisa. Bem, pelo menos eu conversava com
alguém dali pelo menos.
Então
me dei conta de que eu não sabia o nome do velho. Não se pode dizer que é amigo
de alguém que não se sabe nem o nome. Eis a missão: saber quem era o velhinho afinal,
mas eu ia perguntar assim? Não, não sei... Bem, eu não ia morrer por isso,
então não custava perguntar. No fim da tarde, ele veio. Parou o carrinho do
lado da porta da loja e entrou:
"Opa!"
Saudou ele de seu modo tradicional.
"Iêp!"
Respondi e só para esclarecer: ao vivo isso não é tão bizarro.
"Tem
alguma coisa pra mim hoje?" Perguntou ele na sua voz de cigarro.
"Tem,
tem... umas sobras de papel de presente. Qual é teu nome mesmo?” Disse eu disfarçando
quando a pergunta arranhou minha garganta.
"Nico,
é Nico" Disse entusiasmado por saber a resposta.
"Tá
aqui, seu Nico." Sorri como quem comemora atrás dos dentes.
"Brigado,
moço." Ele se virou e foi até a porta, mas de repente parou. Se voltou
para mim e perguntou:
"Qual
é teu nome, moço?"
"É
Rafael..."
"Ah
ta, brigado Rafael."
"Tchau!"
Falei, pensando nas perguntas que se multiplicam até tornarem-se resposta.
F. Essy
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