quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Minha Vida Crônica IV

Roupa legal. Dentes escovados. Chave, celular e trocados no bolso. Tudo certo. Saí de casa e o vento me abraçou, me envolvendo e dando lugar para outros braços de vento conforme eu caminhava. Tirei o celular do bolso com um pouco de dificuldade e procurei o Carlos na agenda. Ligando...
...
...
...

- Fala, meu.
- E aí, ta onde?
- To em casa.
- Cara, eu to indo ali pro centro, ta afim?
- Hm, pode ser, pode ser. Eu só vo ver uns negócio e já to baixando lá.
- Feito então.
- Abraço.
- Falou...
.

Antes que eu desligasse, vi a Rita saindo de casa. Ela mora um pouco depois da minha casa, então não era difícil isso acontecer. Ela não me viu ou desviou o olhar antes que eu percebesse, mas suas costas ofereciam uma boa distração. Ela não tem mais corpo que a maioria que eu vejo por aí, mas me atrai de um modo diferente. Acho que as mulheres se esquecem como a personalidade pode enfeitá-las, mas já não sei se conheço quem ela é hoje em dia. Os amigos que conhecemos quando crianças às vezes se perdem dentro dos corpos em que crescem. De qualquer modo acho que não vou conseguir nada dela além uma boa visão saindo de casa, então aproveitei a ocasião. Dobrando a esquina, ela me olhou parecendo ouvir meus pensamentos. Deu instantaneamente um sorriso sincero e um aceno. Sendo respondida, voltou-se para o próprio caminho e continuamos cada um nossa viagem.

O vento me lavou o rosto com água fria, então puxei o celular e me afundei nos fones de ouvido. Liguei o player e esperei ver que musica ia dar. Last Friday, Gosto dessa. Deixei o celular cair no bolso e aproveitei o resto de caminho. Não entendia muito do que dizia a música, mas às vezes ficam melhor quando você não entende já que pouca gente tem realmente o que dizer. Me aproximando da dobra da calçada, parei na esquina e vi que o Carlos ainda não tinha chegado. Não esperava que já estivesse mesmo. Fui até um banco vazio e me recostei olhando para uma vitrine sem graça. Por que os bancos são virados para as vitrines? Que coisa idiota. Idiota também é pensar sobre isso, mas o que eu tenho de melhor para fazer?

That thing you have. Gosto dessa. Espalhei um sorriso silencioso que ninguém notou. Queria ver um show deles uma hora dessas... Olhei para um lado, gente escorada nas entradas da farmácia e uns pirralhos sentados num banco. Olhei para o outro, nada. São Bernardo é tão movimentado quanto uma churrascaria em sexta-feira santa, mas acho que não me adaptaria muito bem a outro lugar. No fim, as pessoas estão em todas elas e por isso nenhuma será tão boa assim, mas shoppings seriam legais. Cara de Vilão.

O Carlos finalmente apareceu vindo pela calçada. Dei um sorriso e disfarcei olhando para a vitrine esperando ele chegar.

- E aí! – Me diz o cara de camiseta de banda.
- E aí, como é que ta?
- Na mesma. E tu?
- Hm, nada de novo. Será que os guris vem aí?
- Não sei, mas acho que eles aparecem mais tarde.
- Hm...

Olhamos para os lados e vemos que não tem nada para ver.
- Um chimarrão cairia bem agora. – Digo sem qualquer real intenção.
- Bah, um chimarrão seria o ouro!

Rimos brevemente, lembrando que tomar um era um futuro improvável. Uma guria de óculos escuros passa entre a gente e a vitrine. Os olhos a fitam, as cabeças se movem e voltam para o ponto de partida. Comentários são desnecessários. A voz do Carlos dissipa o doce perfume:

- E a festa que teve sábado?
- Hã? A da Casa Blanca?
- É, parece que subiu um povo para lá. Eu acabei tomando um trago com o Alex e não fui.
- Eu também não. Pensei em ir até, mas não tava a fim de gastar trinta pila num ingresso.

Duas gurias passam de short conversando aos sorrisos sobre algo que não demos nenhuma atenção. Ah, os shorts... Breve pausa para admiração. Retorno à realidade.

- Essa calçada é uma passarela... – Disse o Carlos rindo bastante.
- Ah, pode crer... – Concordei, grato pela saúde das habitatantes.
- Olha aquela lá... – Ele apontou com os olhos. - Prefiro uma daquelas.

Ergo o olhar para o outro lado da rua e vejo os cabelos negros da Rita.
Constatei, infeliz, que eu também.


F. Essy

4 comentários:

  1. Ótimo espaço! parabéns pela ação :)
    www.marcelodubai.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  2. Valeu mesmo Marcelo! Mais um na Patrulha Blogueira da cidade hehehehe ;)

    ResponderExcluir
  3. Brigado, Dani. Ano que vem tem uma fornada novinha de crônicas saindo ;)

    ResponderExcluir