quarta-feira, 15 de junho de 2011

Anacrônica

A cadeira estava confortável, breves contornos de gente meio iluminados pela projeção do filme e a certeza de que minha namorada estava sentada ao meu lado para micro-diálogos durante a projeção. Não poderia ser melhor, cada cena do filme era melhor que a última, e tudo ia bem até que – Toque de celular.

Olho de canto para minha namorada ao lado, ela retribui com o mesmo olhar. Alas*, ninguém merece, mas isso não ia estragar o meu filme. Toque de novo. "Bah, mas não vão desligar esse negócio?" Pensei. TOQUE. "Bota essa porcaria no silencioso!" T O Q U E: "Alô? Alô?" Rompe a voz incomoda numa fileira atrás. Torço meu corpo na cadeira para olhar aquele ser humano profano que deturpa meu transe em 2D, mas tudo que consigo ver sob o escuro do ambiente é o brilho estéril de duas lentes sobre o rosto indiferente da maldição que se encontra uma fileira atrás de mim. "Por Deus..."
T O Q U E !
"Chega!" Apoio firmemente as mãos no braço da poltrona, aspiro ar para uma fala ríspida em meus pulmões e me viro totalmente de modo brusco, mirando meu olhar diretamente para aquele que eu já sabia onde estava. Minha vista se acostumou a escuridão e pouco a pouco o rosto do indivíduo se revelou para mim.
Após um breve instante, eu volto lentamente para posição inicial e me inclinando para direita em direção ao ouvido confidente, digo: "É uma velhinha, decerto ela nem sabe como desligar o telefone..." Refleti um segundo e me virei para trás novamente: Você quer que eu bote no silencioso para você? A Senhora se inclina para frente e ouve pela terceira vez a minha pergunta, me entregando o telefone para que eu o desligasse, pareceu bem aliviada com a minha oferta. Tudo isso deve ter durado menos de 10 minutos e acabou tão bem quanto o filme. Um ato anacrônico contra o mal crônico que acomete a Desumanidade.

F. Essy
Alas: Antiga interjeição do Inglês arcaico que expressa lamentação como "ai", "infelizmente".

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