Agora
que mutos já assistiram ao
Hobbit:
A Batalha dos Cinco Exércitos,
é a hora de explorar algumas lacunas e entender melhor por que
algumas coisas mudaram no filme. O texto a seguir está repleto de
revelações do enredo, então considere-se avisado.
O PODER DE GALADRIEL
Enquanto os anões se debatem e exércitos avançam, Galadriel adentra Dol Guldur e confronta Sauron para resgatar Gandalf, mas a cena parece extrapolar um pouco os limites do personagem. Alguns elfos possuem naturalmente dons que nós chamaríamos de “mágica”, mas que não são nada surpreendentes entre eles. Essas habilidades especiais normalmente são apenas uma percepção sensível. No caso de Galadriel, ela é capaz de vislumbrar o futuro – ou probabilidades dele – e ler pensamentos de outras pessoas, mas nada que possa ser usado como uma arma para atacar, embora essas duas habilidades em si possam ser perturbadoras para alguns membros da sociedade do anel. O que poderia realmente conferir à Galadriel a capacidade de rechaçar o Senhor do Escuro é o Nenya, um dos três grandes anéis do poder.
Assim como os outros anéis, o Nenya é capaz de apenas preservar e proteger o que é determinado por seu portador. Dessa forma Galadriel mantém Lothlórien oculta e imune da ação do tempo, mas nenhum deles pode ser utilizado como uma arma, pois foi Sauron quem ensinou os elfos a como forjá-los e jamais teria dado tal conhecimento contra seus próprios interesses, pois ele desejava controlar os portadores. No entanto percebemos que Galadriel não teme essa influência na cena de A Batalha dos Cinco Exércitos. Isso se dá pelo fato de que seu anel foi um dos três únicos a serem criados escondidos de Sauron e assim Galadriel é capaz de utilizá-lo para se proteger do próprio Senhor do Escurdo, como protege suas terras, mas não pode lhe causar nenhum dano, mas não se engane: Essa não foi a única vez que a rainha de Lórien entrou em uma batalha e ela era considerada fisicamente capaz de defender a si mesma entre os elfos homens.
SARUMAN E SAURON
Na investida contra Dol Guldur, pode parecer estranho que ninguém suspeite do posicionamento pouco ofensivo de Saruman contra Sauron, afinal ele era o mago mais poderoso da sua ordem e com conhecimentos muito além de Galadriel, mas assim como os outros magos, ele foi enviado à Terra-Média com propósitos que o impediam de enfrentar Sauron diretamente.
Saruman era um dos Maiar, espíritos logo abaixo dos Valar que governavam a terra. Após o desaparecimento de Sauron com a perda do Um Anel, os Valar enviaram cinco Maiar sob a forma humana para socorrer os povos desolados pela sombra de Mordor, no entanto estavam proibidos de governá-los, pois eles temiam que os magos pudessem corromper-se como Sauron e transformar a Terra-Média num enorme campo de batalha pelo poder. Por isso foram proibidos de enfrentá-lo diretamente, principalmente por que eles partilham a mesma essência
Tanto os magos quanto Sauron eram Maiar e assim como os Valar não possuíam forma física – embora pudessem adotá-la sem nela habitar. Assim, Sauron era capaz de assumir vários formas: serpentes, lobisomens e até vampiros, mas sem estar mortalmente ligado a elas (Sauron teve várias formas destruídos ao longo de sua existência). Por outro lado, Saruman e os outros magos são Maiar enviados à Terra-Média sob formas humanas e susceptíveis a todas vulnerabilidades físicas e emocionais de um corpo mortal, logo também tiveram seus poderes limitados a essas condições, as quais Sauron não estava sujeito. Sendo assim, nem Saruman ou Gandalf poderiam derrotá-lo em um confronto direto.
Embora Saruman já estivesse aliado a Sauron durante a expedição de Bilbo, teria sido interessante explorar sua associação com senhor do escuro ao longo dos três filmes, afinal sua corrupção está intimamente ligada aos anéis do poder e o crescente poder de Sauron, mas apesar de parecer uma aliança, Saruman jamais pretendeu unir-se a Sauron, e sim usá-lo para encontrar o Um Anel e usá-lo. De fato Saruman chega a criar seu próprio anel, que amplia o poder de manipulação de sua voz, no entanto assim que os servos de Sauron trazem uma das palantiri para Mordor, Sauron a usa para influenciar e manipular Saruman que, reduzido a forma humana, foi facilmente corrompido.
LEGOLAS E A IDA A GUNDABAD
Enquanto Saruman é pouco aproveitado como elo entre as trilogias, Legolas é explorado a exaustão, mesmo depois de protagonizar o segundo filme mais que o necessário, no entanto a sua relação com o rei Thranduil acabou mostrando-se interessante na história. O que deixou os espectadores meio perdidos foi a expedição relâmpago que Legolas e Tauriel fazem à desolada região de Gundabad, aparentemente sem importância para o enredo, já que não entendemos bem por que as tropas de Azog se encontram lá. Na verdade, Gundabad era um antigo ponto estratégico de Sauron criado especialmente para se vingar de uma antiga desavença entre ele os anões de Moria.
Quando Sauron planejou usar os elfos para forjar os anéis do poder, ele disfarçou-se como emissário dos Valar, oferecendo seus conhecimentos a Gil-Galad, senhor de Lindon, no entanto ele não acreditou em tais ofertas. Sauron então recorreu aos elfos artíficies de Eregion, nas Montanhas Sombrias próximo à Moria. Deslumbrados com as obras que poderiam criar com os conhecimentos de Sauron, eles o acolheram sem hesitar, ajudando a forjar os anéis do poder, mas Sauron acabou se revelando com a criação do Um Anel e os elfos de Eregion descobriram seus planos. Sauron então ataca Eregion e o rei Gil-Galad envia Elrond para conduzir os exércitos de Lindon em seu auxílio, mas Eregion é devastada e Elrond foge. Sauron o teria alcançado se não fosse pelos anões de Moria, que haviam se aproximado dos elfos daquela região. Eles recuaram para Moria, deixando Sauron impotente do lado de fora dos portões. Irado, mas incapaz de invadir Moria, ele mandou orcs ocuparem o monte no extremo norte das Montanhas Sombrias, Gundabad, a espera da oportunidade.
Após muitas tentativas fracassadas de dominar o norte, Sauron concentra suas forças em Mordor, mas muitos orcs continuam em Gundabad, dentre eles o filho de Azog que anseia por vingança contra os anões do norte, pois no livro Azog foi morto anos antes por Dáin pé-de-ferro, o primo de Thorin que o socorre na Batalha dos Cinco Exércitos. Originalmente Dáin mata Azog contra a provocação que Azog fez ao avô de Thorin: O antigo rei Thrór estava desesperado após a destruição de Erebor, então ele decidiu partir para Moria onde acreditava que poderia encontrar a salvação para sua família, no entanto os orcs o decapitaram e entregaram a cabeça de Thrór aos anões com "AZOG" inscrito em sua testa, junto com algumas moedas enquanto o chamavam de mendigo. Os anões planejam sua resposta durante sete anos e vários clãs se unem em um grande ataque que varreu as Montanhas Sombrias em busca de Azog. Quando as tropas lideradas por Thráin, filho de Thrór, chega a Moria, ele descobre que Azog também os esperava com um exército. Os anões começavam a ficar em desvantagem quando chegam os reforços das Colinas de Ferro e retribuem a gentileza de Azog, cravando sua cabeça numa estaca com um saco de moedas em sua boca.
A PEDRA ARKEN E O COLAR DE THRANDUIL
Quando a famigerada batalha começa a se formar, a Pedra Arken volta a protagonizar a história. Apesar da aparência quase espacial, não há nada de sobrenatural nela, a não ser a crença dos ancestrais de Thorin de que a presença da pedra nos salões estava ligada à glória do reino de Erebor. Peter Jackson preferiu explorar um aspecto mais místico da pedra Arken, já que ela estava fortemente vinculada à ambição de Thorin, mas uma parte tão importante da trama acabou simplesmente esquecida no final do filme. Não vemos mais depois de Bard guardá-la sob seu manto nos portões de Erebor. Os leitores também sentiram falta de um dos momentos mais emocionantes do livro, quando a pedra é depositada sobre o peito de Thorin em seu enterro. No livro é dito que seu primo Dáin se torna o rei de Erebor, trazendo muitos de seu povo aos salões sob a montanha. Uma decima quarta parte da fortuna de Erebor é dada ao povo de Bard em cumprimento ao acordo que Thorin originalmente fez (no livro) com Bard em troca da pedra Arken, mas Bard o envia ao rei da Cidade do Lago, que morre fugindo com esse tesouro – e não o dos cidadãos da Cidade do Lago, como no filme.
Uma outra joia esquecida no filme é o colar de gemas brancas que Thranduil se refere antes de partir para Erebor. Embora esse interesse apareça pouco nas versões exibidas no cinema, o colar tem destaque em uma cena estendida de Uma Jornada Inesperada. Nela, Bilbo conta a história de Erebor, em que Thranduil visita o rei Thrór na montanha para lhe prestar homenagem quando ele lhe oferta um baú em que Thranduil vê um brilhante colar de jóias. No momento em que o rei elfo se aproxima para tocá-lo, o baú é abruptamente fechado e Thranduil retira-se ofendido. Enquanto isso, Bilbo diz: “Não se sabe como começou. Os elfos dizem que os anões o roubaram. Os anões têm outra versão, de que os elfos não pagaram o preço justo.” Essa é uma referência clara a uma joia central na origem entre a discórdia dos elfos e anões, o Nauglamir. Isso alardeou vários fãs, pois inserir esse colar no enredo de O Hobbit interfere diretamente no livro mais importante da mitologia tolkieniena, O Silmarillion. Aparentemente Peter Jackson pensou duas vezes e mudou de ideia em A Batalha dos Cinco Exércitos, transformado o Nauglamir em um simples colar feito para a mulher de Thranduil, cujo interesse é exclusivamente emocional. Ainda assim, o colar desaparece na narrativa do último filme, assim como a pedra Arken. Talvez ambos apareçam na versão estendida, mas ainda sim me parece um deslise de roteiro.
Esse colar que teria sido da mulher de Thranduil na verdade não existe nos livros, mas outra jóia sim: Após receber uma décima quarta parte do tesouro, Bard encontra o Colar de Girion, uma bela jóia composta de quinhentas esmeraldas. Ele o da para Thranduil como retribuição pela ajuda prestada após a destruição da Cidade do Lago. Vale lembra que Giron foi o ancestral de Bard que governara Dale antes da chegada de Smaug. Bilbo também foi recompensado com dois baús de ouro - devidamente aumentados pelas lendas do Condado.
Espero que vocês tenham gostado do post, ele acabou demorando mais do que o esperado, mas acho que valeu a pena, mas o filme não é o único assunto desta postagem: Hoje seria o 122º aniversário de Tolkien se ele estivesse vivo - de dar inveja até a Bilbo, e deixo aqui um trecho de Frankenstein que me lembrou dele:
"Teria essa mente, tão permeada de ideias, maravilhosas e magníficas fantasias, que formaram um mundo, cuja existência dependia da vida de seu criador - teria essa mente perecido? Isso agora só existe na minha memória? Não, não é assim; Sua forma moldada tão divinamente, e iluminada pela beleza, tem decaído, mas seu espírito ainda visita e consola este singelo amigo."
- Mary Shelley
Parabéns, professor!
Felipe Essy
Quer saber mais sobre O Hobbir e a Terra-Média?